Seminário de Cultura Digital

A convite da querida Heloísa Buarque de Holanda e da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, na próxima segunda-feira falo na primeira mesa do Seminário de Cultura Digital, sobre o próprio tema que dá nome ao evento.

O Governo do Estado vai também lançar o novo site Cultura.RJ, baseado no mesmo código do Overmundo.

A apresentação com certeza virá pra cá – mas por enquanto deixo aqui as respostas às perguntas feitas por Juliana Krapp, jornalista e assessora de imprensa do seminário.

Juliana Krapp: Você poderia adiantar um pouco dos temas que vai abordar durante a sua palestra?

Oona Castro: Resumidamente, abordarei as transformações características do advento da cultura digital: como a apropriação de tecnologias tem propiciado a criação de novas formas de produção, distribuição e acesso, constituindo novos modelos de negócios, de produção artística e de licenciamento. A convergência digital altera substancialmente a linguagem e os meios produção cultural, bem como a relação artista-público. A proposta é abordar, genericamente, os principais desafios e oportunidades colocados pelo novo cenário. A riqueza cultural do Brasil não é novidade. Todavia, durante muito tempo, toda a nossa diversidade cultural, regional e social não teve por onde escoar, salvo em pequenos circuitos, dada a concentração de notícias sobre a cultura para as massas do eixo Rio-São Paulo. A internet e as possibilidades de acesso a conteúdo e ferramentas de produção por ela geradas contribuem pra ampla circulação de nossa cultura em toda a sua diversidade e, ao mesmo tempo, impõem desafios significativos para a regulamentação dos direitos autorais, do incentivo à cultura e do próprio uso da internet. Em resposta a esses desafios, 3 agendas fundamentais estão colocadas: mudanças na lei de direito autoral (9.610/98), na Lei Rouanet e a constituição de um Marco Civil da internet, áreas em que o Brasil tem se destacado pelo pioneirismo e pela ousadia.

JK: Quais são, hoje, as questões mais prementes no debate sobre cultura digital, sob a ótica da formação de políticas públicas que abranjam essa nova realidade?

OC: Um dos principais desafios para a formulação de políticas públicas nessa nova realidade é a possibilidade de descentralização da aplicação dos recursos. As políticas de incentivo devem acompanhar as possibilidades de produção com menos recursos, mas muito mais diversificada e desconcentrada do que antes. Portanto, a valorização do microempreendedor pelo Estado é uma possibilidade real, a meu ver desejável, mas difícil de ser executada.

Outra questão que surge de maneira muito nesse cenário é a informalidade muito comum na produção e difusão da cultura na internet. Informalidade não é novidade. No entanto, as possibilidades de alcance de uma iniciativa informal são hoje maiores do que antes e seu impacto social, maior. As lanhouses, as moedas complementares, os camelôs, artistas sem registro, entre outros, são empreendimentos e iniciativas que estão no campo da informalidade e, no entanto, ocupam um espaço respeitável na economia da cultura. Assim, a fronteira entre legalidade e ilegalidade, formalidade e informalidade, em diversos casos, constitui um gargalo para o desenvolvimento da cultura e da economia criativa.

Encontrar, no campo da regulação e das políticas públicas, o equilíbrio entre um ambiente legal e formal, mas com a flexibilidade necessária ao surgimento de soluções criativas, novas linguagens e tecnologia, é chave para o desenvolvimento cultural do país.

JK: Há espaço no Brasil para o debate relativo à cultura digital e tudo o que ela traz de novidades? Você acredita que esse debate fica muito restrito à área acadêmica?

OC: Sim, claro que há espaço (acho que falei um pouco sobre isso ao responder a pergunta 1).

Alguns exemplos são o Fórum da Cultura Digital Brasileira e o debate público em torno do Marco Civil da Internet (que vem sendo construído na plataforma do Fórum, pelo Ministério da Justiça e pela sociedade civil). A Casa de Cultura Digital, em SP, e o Fórum Permanente de Cultura Digital, no Rio, são iniciativas que também se propõem a criar referências para o ambiente da cultura digital. Também o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV DIREITO RIO e o Pontão de Cultura da ECO têm tido um papel relevante no estudo, na experimentação e na publicidade dessa pauta.

Mas não é só: há diversas iniciativas na sociedade civil, por vezes em parcerias com empresas, que focam o debate sobre cultura digital: Campus Party e FISL são alguns dos encontros que já tiveram diversas edições lotadas de pessoas interessadas em fazer e debater cultura digital.

O Instituto Overmundo, além do portal sobre cultura brasileira que deu origem a ele, hoje tem outros projetos que também abordam essa questão: além da área de estudos e pesquisas em economia da cultura, o Instituto tem hoje um projeto chamado Overmundo Lab, que ainda está no seu início, mas que se propõe justamente a ser uma rede coletiva e colaborativa de observação, reflexão e proposições para o universo da cultura digital, identificando tendências, novidades e possibilidades para a cultura e comunicação digitais.

Não creio que seja um debate restrito à academia. Ao contrário, acho que a academia está hoje correndo atrás, de certa forma, de um debate que começou a ser feito por quem implementava projetos culturais inovadores. Embora tenha citado três exemplos da academia do Rio de Janeiro (tanto o Fórum Permanente de Cultura Digital, quanto o Pontão de Cultura da ECO-UFRJ são ligados a universidades – no caso a mesma, inclusive), me parece que as experiências são bastante voltadas ao diálogo permanente com a sociedade além da universidade. A política dos pontos de cultura, também, é sintoma de um reconhecimento de que a experiência e o conhecimento da cultura digital não estão concentrados na academia, nem no governo, nem em poucas e grandes empresas, mas sim espalhadas por todo o Brasil. Evidentemente, é sempre possível a ampliação dos interlocutores desse debate e definitivamente é preciso buscar fazê-lo junto a uma diversidade maior de atores. Mas acho mesmo que a academia hoje deve aprender (e está tendo que aprender) com os donos de lanhouses, com os artistas do tecnobrega, do reggae maranhense, do forró eletrônico, os produtores de vídeo, os animadores, os cosplayers, os desenvolvedores de software, com os jogadores de games e tantos outros.